Primeira Página

BRASILEIRO POR PAULO ARAGÃO

UM TIPO INESQUECÍVEL

Se um dia tivesse que escrever minhas memórias, certamente parte delas seria dedicada aos amigos mais marcantes dessa existência. E, certamente também, estaria nesse rol, nos dedos da primeira mão, o cidadão Paco, o Francisco, o Lúcio Brasileiro que (quase) todos conhecemos.

Cidadão exemplar, de memória prodigiosa e profissional competentíssimo (é o maior gazeteiro do jornal em que escreve, apesar de um paulista pouco afeito a marketing não perceber, que, no frigir dos ovos, é o Brasileiro que paga seu salário – coitado!). Amigo do tipo que só se acha à luz de vela, caridoso e amante da boa mesa e do bem conversar. Enfim, um homem bom e surpreendente.

Do meu duas vezes conterrâneo (Cajazeiras e Sobral) e xará Francisco Lustosa da Costa, recebi o honroso convite para escrever algo a respeito do aurorense em questão. Permito-me, assim, para não tornar a leitura um rosário de elogios merecidos, narrar apenas três episódios que com ele vivenciei, hilários e, portanto, perfeitos como homenagem ao seu constante bom-humor.

ESTRELA DESCONHECIDA

Numa segunda-feira de Carnaval, saídos do nosso Cumbuco, tomamos a Via Estruturante em demanda da praia de Flexeiras, para encontrar nosso amigo Ivens Júnior, que emprestara a casa de seu cunhado e veraneava por lá.

Pelo meio do trajeto, fomos parados por uma blitz rodoviária, com o policial me pedindo os documentos do carro. Exibi-os. Em seguida, solicitou-me a carteira de habilitação. Falei que estava dentro de minha pasta, no porta-malas do carro, e perguntei, por comodismo, se seria necessária mesmo a exibição de tal documento.

Nesse momento, o Brasileiro, certo de que eu não estava com a tal carteira, e confiando no seu bom “ibope” de apresentador de televisão, retira os imensos óculos escuros que usava, volta o rosto para o guarda e diz, vagarosa e solenemente (na esperança de ser reconhecido).

– Senhor, temos um compromisso jornalístico urgente. Será que poderia dispensar o meu amigo de ir abrir o porta-malas e a pasta e deixar-nos seguir?

Pedido negado. Desci do carro, abri o porta-malas, retirei a habilitação de dentro da pasta e satisfiz a exigência da autoridade, que, antes de sairmos, disse para o Lúcio: – Tenha uma boa viagem… E ponha os óculos porque o sol está forte e pode lhe causar dor de cabeça.

CAIXA FURADO

Há alguns anos, num sábado e na praia do Cumbuco, fui ao Restaurante Ugarte, propriedade do Brasileiro. Em lá chegando, minha mulher Odete e eu vimos apenas um casal, que logo se retirou sem fazer qualquer pedido, deixando-nos como únicos clientes da noite.

Isso, para qualquer dono de restaurante, seria a morte. Não para nosso querido louco (como já disse o Senador José Macêdo, por ter aberto um restaurante distante de Fortaleza), que, quando viu o garçom trazer à nossa mesa um litro de Black and White, criou alma nova e veio ter conosco.

Os três bebemos e papeamos a noite inteira. Fui deixá-lo em casa já dia.

Por volta de meio-dia, nosso herói, curtindo ressaca olímpica, foi acordado para a prestação de contas do dia anterior. De muito mau humor e cefaleia latejante, verberou ao empregado:

– Já disse a vocês para não me acordarem no domingo, a não ser que não haja dinheiro no caixa. Cadê o dinheiro da conta do Paulo Aragão?

Ao que o serviçal respondeu: – Pois é, seu Lúcio, aquele litro de whiski, o Dr. Paulo já tinha deixado pago no sábado passado. Nós “tamo furado”.

ÍNDIO DESCALÇO

Numa de suas empreitadas, que o vulgo chamaria de alucinações, resolveu que alguns de seus amigos apadrinharíamos índios da tribo dos Carambolas, habitantes das cercanias do Cumbuco, povo de muito boa índole.

A mim, coube como afilhado o senhor Deni, rapaz muito simpático que até hoje me saúda por padrinho (mesmo já se tendo passado mais de dez anos do contato inicial).

Todo final de ano, como sói acontecer, Odete e eu enviamos ao nosso afilhado prendas natalinas, que sempre foram representadas por cadernos, tênis, mochilas… numa única vez, uma bicicleta integrou essa relação.

Num determinado Natal, tive que me ausentar de Fortaleza (viajei ao exterior) e disse ao Brasileiro que as prendas do ano (calça, camisa, caderno e tênis), eu as traria de viagem. Dito e feito: mandei-as para que ele fizesse o repasse ao beneficiário final.

Decorrido algum tempo, eis que me encontro com o “Brasilha”. Então, pergunto:

– Como é que foi, meu afilhado gostou dos presentes que lhe mandei? E do tênis, o que ele falou? E o nosso personagem não titubeou:

– Que índio que nada! Aquele tênis é muito chique. Tô usando para fazer aeróbica!

(Do livro Um Brasileiro Muito Especial, de Lustosa da Costa)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *