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RETRATO SEM RETOQUE

Por favor, não se prestem a pensar que, reproduzindo o ensaio sobre este pobre marquês realizado pelo imortal sem fardão Airton Monte, estou puxando a brasa para a minha sardinha, acontece que a peça em questão, elaborada pouco antes de ele partir, foi a mais primorosa já escrita sobre o jornalista diário mais antigo do mundo.

Nunca me passou pela cabeça esconder que sou verdadeiro admirador do nobre jornalista Lúcio Brasileiro, e que ele faz parte do meu restrito ciclo de admirações, não só pela feliz coincidência de ser irmão do meu querido concorrente Neno Cavalcante, ou porque meu pai o considerava um amigo e um de seus iguais, no vasto conhecimento sobre futebol.

Como toda figura famosa e controvertida, o Lúcio não admite panos quentes ou mornidão em quem o lê, ou é amado ou odiado, por ter a ousadia e a coragem de expor claramente suas opiniões sobre assuntos que aborda em sua coluna no jornal, no rádio e na televisão.

Durante o longo e profícuo exercício de sua profissão, o Lúcio criou uma linguagem e um estilo brilhantemente pessoal, inventando neologismos a torto e a direito, alguns dos quais, acho fertilmente criativos, e outros, perfeitamente dispensáveis, num periodista de sua categoria.

No entanto, cada criador tem lá o seu estilo, e o Lúcio tem o dele, pessoal e intransferível, sendo elegantemente vaidoso e, demasiado cônscio de sua importância no jornalismo alencarino, não resiste à humana tentação de elogiar-se em causa própria, mas sem beirar as raias do mais deslavado cabotinismo, parecendo seguir à risca o que dizia de si mesmo o poeta Maiacovski: Sou narcisista porque posso.

Apesar de não concordar com sua admiração mais que explícita pela Ditadura Militar, longe de mim querer condená-lo por isso, afinal, que direito tenho eu de julgar quem quer que seja? Não tenho Complexo de Deus nem guardo qualquer rancor por quem aderiu à quartelada de 1964. E admiro o Lúcio justamente pelo fato de dizer o que realmente pensa de tudo e de todos, como um jornalista que muito preza o seu ofício.

Alguns dias faz, o Brasileiro tocou num tema que muito me interessa, a morte, descrevendo em sua prestigiosa coluna como deseja ser tratado depois de sua ida desta para a pior, logo ele, um hipocondríaco consumado, de carimbo e carteirinha, que costuma afirmar serem seus remédios os melhores amigos.

Se há uma coisa que tenho inveja no Lúcio são os permanentes cuidados com a saúde, dos quais confesso ser irresponsavelmente desprovido. O Brasileiro fez uma espécie de testamento em pílulas homeopáticas, como deseja o velório, a roupa com que deve ser vestido, antes de depositado no caixão, maneiras como amigos devem se portar durante o velório, saiu um texto que nada tinha de lúgubre ou funéreo, mas eivado de lírica simplicidade de quem vive a vida com mamorosa intensidade.

Após ler com atenção o tema assuntado pelo Lúcio com habitual maestria, bateu-me a vontade de pegar carona no mote por ele generosamente ofertado, e lá vou eu no mesmo rumo, só espero que a Bela Dama sem Piedade não tenha a menor pressa nem urgência para convidar-me ao indesejável passeio, porque ainda não terei tudo que anseio da vida, e há muito o que fazer, muito o que amar, muito o que gozar, muito o que sofrer, muito que me alegrar, hoje, amanhã e depois.

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